domingo, 28 de setembro de 2008

Os Cabelos

Sanitários públicos. Entro e fecho a porta, aflito. Um cabelo observa-me do topo da sanita. Preto, retorcido e ameaçador. Outro surge dentro da sanita. Observa-me também. Mais um no chão. Outro sobre o autoclismo. Surgem mais. De todos os lados. Paredes, chão, tecto. Viro-me para sair. A porta está repleta deles. Maçaneta incluída. Crescem. Os meus sapatos estão a ficar cobertos. A luz que entra pela janela já é formada por cabelos e cobre o espaço. “Tem de ser”, penso num instante. Abro a porta e atiro-me para fora. Abano-me para me libertar. Os pés são o mais difícil, mas deixo os sapatos. Arrasto-me para longe até me conseguir levantar e andar. Olho para trás. Nada. Fico perplexo. Não vou espreitar. Que foi isto? Caraças! Repentinamente, surge um pequeno objecto voador, como um néon azul, em forma de garrafa de vodka – é mesmo uma garrafa de vodka, reconheço-a. Dou um salto para trás. Paira à minha frente. Permaneço imóvel. Não me consigo mover. Vejo surgir o que me parece ser o cabelo que estava no topo da sanita. Observa-me por um instante. Faz um ar de desagrado. Encolhe os ombros. A garrafa desloca-se e ganha velocidade até desaparecer no céu. Pouco depois, recomponho-me. Agarro nos sapatos. Agora tenho medo dos meus pêlos. De todos. Para sempre. Que pensarão eles de mim? Que andarão a preparar?

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