segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O Aniversário da Morte


Já ouviram esta expressão? Parece estranho falar-se no aniversário da morte, porque temos, geralmente, a ideia que aniversário é algo que vale a pena celebrar, mas, na realidade, "aniversário" significará apenas que passou mais um ano sobre algo. Em muito casos, esse algo é a morte. E celebrar a morte também se usa, porque "celebrar" não é mais do que relembrar algo, neste caso, alguém que se foi, e que vale a pena lembrar. E nem sabemos se foi assim para tão longe, porque pode não ter passado do buraco onde o deixaram. Vamos pensar que sim, e que está sempre connosco. E por acaso, agora que penso nisso, ainda este fim-de-semana tive a sensação de o ter visto nas filmagens de "Aventuras de Uma Gulosa". Há coisas estranhas. Este não é, pois, um texto triste, porque quem se foi não o era, e viveu a vida como ninguém. Um grande exemplo para quem o conheceu, um Mestre para nós, na Carapuça Productions. Lembro-me bem daquele dia, em que filmávamos, em parceria com uma produtora norte-americana, algures no Algarve, "The Penetracon's". Era um dia como muitos outros, em que 24 actores e actrizes de grandes gabaritos actuavam em conjunto, junto a uma grande piscina - e dentro dela, como golfinhos em época de transações -, enquanto toda a equipa, no auge da concentração, dava o seu melhor. O Mestre, deitado nu, como sempre, observava de uma das câmeras, entusiasmado com o trabalho, enquanto dizia "gou óne da raite, gou óne da léfete, gou óne biáinde", ou "truncatruncale", ou ainda, a mais conhecida e lembrada "xiz cómingue, jamp strongue, móre móre". Ao soar da meia-noite, depois de umas extenuantes, mas bem pagas, duas horas de trabalho, os actores entraram em greve, e arrumaram as ferramentas, sem pré-aviso, deixando as actrizes desamparadas, a equipa embasbacada, e o Mestre da cor da raiva raivosa, a espumar. Depois de insultar e agredir à dentada e orelhada, com toda a razão, todos os ingratos, que se recusavam a trabalhar mais uma hora, e os tipos do sindicatos, e sem tempo a perder (costumava dizer que "Taime ismani"), o Mestre salta para a água e, heroicamente, substitui todos os 12 grevistas, para acabar o filme nos restantes 45 minutos de aluguer da piscina. "Nem mais um tusto para a Câmara" - disse. Após a última cena, muito cansado, mas feliz com o trabalho concretizado, 3 minutos antes da hora, o Mestre, ao beber uma ginginha com elas, engasga-se, e em 6 segundos perde os sentidos e falece, mesmo ali, aos 89 anos, com muito ainda para dar ao Mundo, rodeado de 12 magnifícas mulheres despidas de roupa e tatuagens, tão extenuadas, exaustas e cansadas, que nem se conseguiram mexer para o ajudar. Foi muito triste. Faz hoje um ano que tal aconteceu. Um homem que pouco se deixava fotografar e filmar, permitiu, uma única vez, que o fotografassem, de relance, há 42 anos atrás, enquanto escrevia o guião de "A Boa, O Mau e o Anão". A mulher que mais amou, a autora, ofereceu-me essa foto, cheia de significado e valor. Havemos de nos voltar a ver, Mestre Emir Carapuça. Até sempre.

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