quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A Anulação. Qualquer Semelhança com a realidade é pura ficção.

Ver-te agora, agora que voltaste dos mortos, agora que te olho e te toco, é-me difícil não chorar , ou mesmo até tocar-te, pareces-me feito de pedra e cal, quase que não mortal. Custa-me ver-te aqui. Vivo. Poder estender a mão e poder tocar-te… Leva tudo o que me deixaste como herança. Leva tudo! Os anos que me consumiste, a dor que me infligiste, leva também este coração que é e foi sempre teu. Cada vez que te vejo, caio prostrada, não há nervos nem músculos que controle. Ao saber-te aqui, desfaleço. Aqui e agora estou completamente feita em nada. Sou só o que tu me deixaste para trás quando te foste embora. Um espaço vazio a tua espera, que só será alguma coisa quanto te poder tocar outra vez. É isso que sou. Um pedaço de historia que foi e já não é. Hoje durmo com braços de faz de conta a abraçar-me, durmo numa cama feita de pedaços que guardo ,pedaços teus. Cama feita de sons, cheiros e palavras, de pele, de transpiração e sabores. Tudo pedaços teus. Ossos e embalagens vazias e latas ferrugentas e eternos amanheceres. Queria ser verdadeira, não me deixar esmagar por falsas palavras. Queria deixar-te um testemunho daquilo que me tornei. Queria dizer-te que me tornei melhor em alguma coisa, que me adicionaste, melhoraste, mas ao primeiro prevenido olhar a mascara cairia, virias a ruína, o malogro em que me tornei. Sou mentira atrás de mentira. Sou indignidade atrás de indignidade. A noite cerrada que me tornei. Como me aboli num jogo incessante com a minha própria tirania. Como hoje sou restos, pele gasta e verborreias desconexas. Pouco digna. Fumo, porque cada vez que respiro esta lufada tóxica creio que estou mais perto do fim, perto do que nem sequer devia ter começado. Aquela que hoje aqui escreve estas palavras com o seu que de esquizofrénicas é aquela que outrora te amou , te venerou, de consumiu ate ao ínfimo poro, numa delirante e inocente fome voraz. Rastejei quando devia ter corrido. Agora permaneço aqui prostrada com o chão como limite. Tem qualquer coisa de trágico este momento, este momento em que te reconheço como o espinho venéreo que se espeta a cada passo cada vez mais fundo na minha carne.
Não é tempo de celebrações, quando muito de beber um gin tonic atestado.

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