Há uns meses, um dedo anelar de uma mão direita que nunca teve anel entrou em depressão profunda. Todos os seus amigos serviam para algo especial, menos ele. O polegar, sozinho, serve para pedir boleia e indicar que tudo está bem; o indicador indica, apontando, e é usado para quase tudo, desde remover catotas do nariz a espremer borbulhas (aqui, com ajuda do outro da mão esquerda), passando mesmo pelo esmagar de piolhos e certas cenas sexuais (de que aqui não vamos falar). O seu amigo maior, serve, essencialmente, para insultar, e faz isso muito bem. Até o pequenote, o mindinho, serve para remexer nos ouvidos, e mesmo no nariz. E isto, sozinhos, porque em conjunto, conseguem tudo. Mas o anelar, sem anel, não faz nada de nada. A maior parte das pessoas nem o usam para escrever no teclado do computador. “Para que sirvo eu, então? Snif snif!!!” Os amigos explicam-lhe, vezes sem conta, que unidos fazem de tudo, e que precisam dele para isso, e além do mais é uma honra ser escolhido, em exclusivo, para receber os anéis; mas de nada serve, a depressão é tanta que um destes dias se recusou a sair de uma luva, dobrando-se, agarrando-se com toda a sua força, tentando sufocar-se. Foi necessário cortar a luva. Já tentou várias vezes meter-se debaixo de facas, na cozinha; cortar-se com o corta-unhas e lâminas de barbear; afogar-se no banho; queimar-se nos fósforos e cigarros. Os amigos é que o salvaram sempre, pensando que um dia seria de vez, mas não esperando, nunca, o final que veio a ter… Há 5 semanas, quando a sua unha começou a ser pintada - juntamente com as dos seus amigos -, para participar em espectáculos de travestis, nas noites de quarta-feira, os seus dias melhoraram muito, ao contrário dos dias dos seus amigos, que detestavam essas paneleirices. Um dia, decidiu mesmo assumir, aos 4 amigos, que sentia que o seu caminho passava por ali. O mundo do espectáculo seria o seu mundo, e lutaria por isso. Estava cheio de esperança numa vida melhor, teria uma vida de sorrisos e gargalhadas. No dia seguinte, em tribunal, frente a uma juíza, foi cortado por uma faca, pelo próprio corpo de que fazia parte, como forma de protesto por discordância com a sentença. Os seus amigos não o irão esquecer.
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